Pensei muito antes de escrever este texto, pensei se valeria
a pena me expor. Porém, como psicóloga, me vejo quase na obrigação de escrevê-lo,
como alerta para que tantas outras pessoas não passem pelo que passei.
Eis minha história:
Desde criança sempre tive um humor que oscilava muito, mas na
maioria das vezes era um humor deprimido ou ficava muito irritada.
Sempre taxada de “gênio forte”, “esquentada”, “pavio curto”,
aceitei estes estereótipos que me impuseram.
Na adolescência os períodos de depressão se agravaram, mas eu
ouvia: “é só uma fase”, “vai passar”.
E assim segui a vida, pulando de psicólogo em psicólogo, em
busca de respostas.
Com 32 anos tive minha primeira grande crise, foi quando comecei
um novo processo terapêutico, dessa vez com uma psicóloga que gostei bastante,
criei grande vínculo terapêutico. Confiava em suas interpretações sobre os
conteúdos que eu apresentava e confiei em seu psicodiagnóstico: TAG (transtorno
de ansiedade generaliza) e “crises existências”. Me contentei com este
diagnóstico no momento e vida que segue. Fiquei com esta profissional por cinco
anos, fazendo terapia duas vezes na semana.
Mas eu sentia que ainda tinha algo que não havia vindo à luz.
No meio deste processo, passei por dois grandes sustos que me
desestabilizaram totalmente.
Passei a ter crises de pânico e ansiedade elevada a potência
mil.
Comecei a questionar minha terapeuta se não seria o momento
de procurar ajuda psiquiátrica também, eu não aguentava mais as crises de
ansiedade, qualquer acontecimento corriqueiro já era gatilho para novas crises.
Estava esgotada de tantas crises seguidas e minha terapeuta
continuava convicta que eu não precisava ser medicada, até que cheguei em um
ponto que não aguentava mais ter como tratamento somente a psicoterapia e as
terapias integrativas/complementares (floral, acupuntura e várias outras
terapias).
Fica aqui meu primeiro alerta: se estiver indo em um
profissional radical, que tenha total convicção que o que ele oferece como
tratamento é a única solução e se você não estiver tendo melhora do seu quadro,
mude de profissional. Nós somos seres multifacetados, são muitas variáveis que
interferem em nossa saúde física e emocional: somos seres biopsicossocial e
espiritual, todas essas esferas têm que ser tratadas, olhadas, avaliadas. Não
tem como olhar apenas um dos lados.
E existem muitos profissionais que têm essa atitude “unicista”.
Dito isto, continuemos com minha saga.
Insisti tanto com minha psicóloga que precisava ser medicada,
pois não aguentava mais as crises, que ela por fim me encaminhou ao psiquiatra
(o primeiro de muitos).
Diagnóstico: TAG e síndrome do pânico. Na época me dei por
satisfeita, pois estava sentindo grande alívio com o ansiolítico.
Aí começam as complicações, passada a fase aguda, o
psiquiatra retirou o ansiolítico.
Nova crise, agora mista, depressão de mãos dadas com a
ansiedade.
Volta com o ansiolítico, alívio imediato.
Neste interim, engravidei. Tive que trocar para um
ansiolítico que era seguro para o bebê.
Gravidez fluindo a mil maravilhas, sem nenhuma intercorrência
e desta vez acompanhada por vários profissionais: psicóloga, psiquiatra,
acupunturista, terapeuta complementar e óbvio, pela minha obstetra. Estava me
sentindo plena, estava estabilizada, dentro do que é possível para uma mulher
gravida com os hormônios enlouquecidos.
Meu lindo bebê veio ao mundo e dias antes do parto recebi a
orientação de suspender o ansiolítico e passar para um calmante natural, que
não faz nenhum efeito para minha pessoa, as vezes me deixando até mais ansiosa,
o conhecido efeito rebote ou efeito paradoxal.
Bebê nos braços, um parto tranquilo, o que poderia dar errado?
TUDO.
Cheguei em casa com aquele serzinho que havia sido tão
desejado e planejado e que dependia totalmente de mim para alimentá-lo,
amamentei meu filho exclusivamente com leite materno que meu corpo produzia por
seis meses e em livre demanda, que coisa mais maravilhosa o corpo humano.
Pós parto, suspendi de vez a medicação psicotrópica, pois havia
grande risco de chegar até o bebê através do leite.
Inicialmente, parecia apenas um baby blue, corpo tentando
voltar ao que era antes da gestação, hormônios completamente bagunçados, mãe de
primeira viagem tendo que ouvir palpites vindo de todos os lados, porque todo
mundo sabe criar o filho do outro, mas o
próprio...
Enfim, não demorou muito para o baby blue (tristeza materna)
se transformar em depressão e era estranho que, apesar de me sentir deprimida,
minha mente estava a mil por hora, não conseguia aquietar os pensamentos e o
sono, que já estava complicado por conta das mamadas, piorou ainda mais.
Quando meu filho fez seis meses e a amamentação deixou de ser
seu único e exclusivo alimento, voltei ao psiquiatra. Entra com
antidepressivo.. O antidepressivo só me fez piorar e tive todos os efeitos
colaterais. Este quadro já era para ter ascendido a luz vermelha: não era uma
simples depressão.
Mudo de médico, entra com outro antidepressivo e alguns
remédios homeopáticos, resultado ainda pior que o primeiro.
Recebo indicação de outra psiquiatra, relato toda a situação
e ela entra com o ansiolítico novamente e com um novo antidepressivo, começando
com doses subterapêuticas, para que, desta vez, não apresentasse nenhum efeito
colateral e meu organismo se adaptasse aos poucos. Desta vez deu certo, esta
médica foi aumentando a dose paulatinamente.
Consegui me reequilibrar.
Neste momento tive um grande divisor de águas em minha vida:
o Sagrado Yóga, que ajudou e muito na manutenção da minha saúde mental.
Aos poucos a médica retirou o ansiolítico e fiquei só com o
antidepressivo, na menor dose terapêutica.
Ufa, voltei a ser “EU”. Foi um período de dez anos que me mantive
com a saúde psíquica estabilizada.
Foi um momento de muitos estudos, cursos, produção de textos.
Tinha pequenas oscilações de humor, transitava entre a depressão e ansiedade,
mas nada que chamasse muito atenção, continuei com a dose de manutenção do
antidepressivo.
Eis que, em 2019, a vida resolveu testar minha saúde mental,
foi um ano de extrema turbulência em todos os sentidos. Comecei a ter sintomas
mais acentuados de depressão, procurei nova psiquiatra, que acreditava que o
problema era meu organismo ter se “acostumado” com o remédio que usava há dez
anos sem aumentar a dose.
E lá vamos nós começar outro antidepressivo, mesma novela, só
piorava e ainda tinha que lidar com os vários efeitos colaterais que o remédio
causava.
E ouvia da médica: “é período de adaptação, daqui uns dias
passa”. E dava o tempo da adaptação e nada mudava, sem melhorar nada.
Muda o antidepressivo novamente, mesmas reações. Dessa vez
tive que ouvir da psiquiatra algumas coisas infundadas. A luz vermelha acende
novamente, já estava muito claro o que estava acontecendo, mas esta terceira ou
quarta psiquiatra deixou passar.
Certo dia, em um sábado (essas coisas têm que acontecer
sempre de final de semana) tive uma forte crise de ansiedade, meu marido passou
praticamente o dia inteiro no telefone com a psiquiatra que ia orientando sobre
o que fazer. Isso já era fevereiro de 2020. Passei o dia praticamente dormindo,
acordava, crise, toma o ansiolítico e dormia novamente e assim passei o final
de semana.
Até que meu marido e eu chegamos à conclusão que era o
momento de procurar outro profissional. Desta vez fui no neurologista que
acompanha meu marido há alguns anos. Médico excelente, me tirou da crise, pelo
menos por um período.
Março de 2020, ainda sem estar completamente estabilizada,
“ganhamos de presente” uma pandemia.
Quem nunca teve um episódio de depressão ou ansiedade, passou
a ter e quem já tinha, só agravou o quadro.
Fiquei por mais um período com o neuro me acompanhando, ele
tentou mudar a medicação, pois estava oscilando muito... tudo de novo, piorei,
muitos efeitos colaterais, volta pro antidepressivo anterior. Continuei com o
acompanhamento com esse mesmo neuro para fazer tratamento da enxaqueca e decidi
que era hora de procurar nova
psiquiatra.
Enfim uma psiquiatra que me entendia e já começou meu
tratamento prestando muita atenção nas várias luzes vermelhas piscando.
Aumenta a dose do único antidepressivo que conseguia me
adaptar e continuava com o ansiolítico em caso de crise.
Fui melhorando, aí caia novamente, oscilando entre o que
achava que era depressão e crises de ansiedade.
Esta nova profissional foi ficando cada vez mais atenta e já
começava a se formar uma nova HD (hipótese diagnostica).
Ela entrava com medicamentos para potencializar o
antidepressivo e eu não me adaptava. Passei por vários psicotrópicos até que a
HD passou a ser o real diagnóstico.
Não era depressão maior e ansiedade, era um conjunto de
sintomas e falta de resposta ao tratamento.
E foi proferido o novo e assertivo diagnóstico, Transtorno
Afetivo Bipolar tipo II com ciclagem rápida, o tipo mais difícil de ser
diagnosticado. Ao mesmo tempo que me deu um alivio em por fim, entender muitos dos sintomas,
mudanças de humor, reações desproporcionais que eu tinha a alguns estímulos;
fiquei também muito mexida por receber este diagnóstico, pois eu, como
psicóloga, nunca tinha cogitado ter transtorno bipolar, cogitei vários outros
diagnósticos, menos esse. Acredito que por vários motivos, um dele é o forte
estigma que este transtorno traz.
As pessoas ao redor não entendem e nem procuram entender o porquê
das atitudes que temos algumas vezes, é mais fácil rotular, se afastar, vir com
falas que só pioram o quadro de quem tem bipolaridade.
Estou tendo períodos muito longos de depressão intercalado
com crises de ansiedade e períodos de ativação (quando o bipolar se sente cheio
de energia, com sensação de que pode
fazer muitas coisas, iniciar novos projetos) ou hipomania.
Mas isso passa rápido, no meu caso e volto a cair na
depressão.
Quando em ativação, fico muito irritada, agitada, muitas
vezes tenho atitudes desproporcionais com as pessoas, já perdi amizades por
conta disso e ainda tive que ouvir coisas que me magoaram profundamente.
Agora estou caminhando para a estabilidade, pois o bipolar
não pode ser tratado só com antidepressivo, precisa ter um estabilizador de humor
para que o tratamento tenha sucesso.
Algumas palavras sobre transtorno bipolar:
·
É
considerado um transtorno não só psiquiátrico, como também neurológico
·
Somos
considerados neuro divergentes, pois nosso cérebro funciona de uma forma
diferente do cérebro do neuro típico
·
Nosso
cérebro possui áreas que não deveriam
ser ativadas frente a determinados estímulos, ou de repente “desliga” uma área
cerebral que deveria estar ativada
·
É
um dos transtornos mais difíceis de ser diagnosticado, pois quando passamos no
psiquiatra é por estarmos deprimidos ou tendo crises de ansiedade, o médico vê
só aquele momento da consulta, por isso a importância de ser acompanhado por um
profissional competente e que esteja aberto a ver o paciente como um todo e não
ficar batendo na tecla de um único diagnóstico, mesmo não tendo sucesso no
tratamento
·
Importante
também estabelecer um vínculo terapêutico com o médico para que ele possa
acompanhar as várias nuances deste transtorno, pois só assim para ele entender
o que está acontecendo e poder formar o diagnóstico correto e entrar com a
medicação certa
·
E
o mais importante: mudar de médico quantas vezes forem necessárias, até que
encontre um profissional competente e que realmente tenha uma escuta livre de
rótulos e esteja aberto a aprofundar na queixa do paciente até ter a certeza de
que está no caminho certo.
Depois de anos sofrendo, sendo
incompreendida, ouvindo “interpretites” de leigos, tenho um diagnóstico e um
tratamento correto.
E o mais importante, tenho explicação
para muitos comportamentos, atitudes, oscilações de humor, entre outros
sintomas, que eu não conseguia entender e agora tudo se encaixa. Tudo faz sentido.
Espero que este texto sirva de alerta,
tanto para pessoas que estão passando pelo que passei, quanto para que profissionais
tenham uma escuta mais assertiva e acolhedora.
E que também possa chegar até os
familiares e amigos de pessoas portadoras de Transtorno Bipolar, para que
possam entender e acolhê-las nos momentos de maior dor.
Nos últimos anos tenho tido muitas
oscilações de humor, mas, principalmente, venho tendo longos períodos no polo
depressivo ou episódios mistos, o que leva as pessoas a se acharem no direito
de falar todo tipo de impropério, que só faz com que se agrave nosso quadro,
como dizer: “nossa, mas você nunca está bem, sempre reclamando” ou “se você for
para determinada igreja, centro ou culto, vai obter a cura”. Isso é invalidar
uma vida de sofrimento psíquico e real, não são apenas “coisa da nossa cabeça”,
“gênio forte”, “pessoa difícil”.
Nosso cérebro funciona de forma
diferente. Por isso a importância da psicoeducação, para que se possa entender
a pessoa que está ao seu lado e não invalidar sua dor.
MAIS EMPATIA, POR FAVOR!
Nadêjda Licia,
Psicóloga Organizacional, Psicóloga Clinica,
Terapeuta Complementar, Palestrante, Professora de Yóga e portadora de
Transtorno Bipolar.
março/2025
OBS: Após esta exposição, muitas pessoas entenderão alguns dos meus comportamentos nos últimos anos, como por exemplo a pausa na minha vida profissional
OBS2: Nem todo bipolar irá passar
pela fase psicótica, principalmente bipolar tipo II.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Será um prazer ler sua opinião sobre este blog!Namastê